No início dos anos 2000, um empreendimento de alto padrão começou a ser construído na Zona Sul de Porto Alegre. A obra atraiu moradores, mais precisamente 700 famílias, que passaram a morar no local informalmente, durante a fase de execução. Começaram então os problemas comuns do surgimento de uma nova comunidade, desassistida por oportunidades de trabalho, transporte e saúde.
Para conter a violência, uma Brigada Militar foi montada na região. E ali iniciou o trabalho que mudaria a vida tanto da comunidade, quanto dos membros da Brigada. “Tivemos a ideia de fazer um sopão comunitário para trazer essas famílias para conhecerem a Brigada. E começou a ser fornecida uma sopa toda sexta-feira, onde era dada uma palestra. Um brigadiano falava sobre temas como planejamento familiar, gravidez e drogas”, relembra o tenente Carlos Medina, gestor administrativo e coordenador auxiliar administrativo do Núcleo NCC Belém.
O esforço semanal logo chamou atenção do condomínio de alto padrão, que cedeu um espaço para que lá pudessem ser realizados os encontros semanais. Dois anos depois, em 2004, o grupo se tornou formalmente uma organização social. Com a evolução da organização e da comunidade no entorno, outras demandas foram surgindo. “Depois de três anos, eles não queriam mais sopa, queriam aprender uma qualificação”, relembra Medina. Surgiu então a oportunidade para desenvolver profissionais para atender a demanda do condomínio situado próximo à região. “Por exemplo, eles precisavam de um cabeleireiro lá dentro, a gente formava aqui. O mesmo acontecia com jardineiro, pintor, eletricista… o núcleo passou a ter uma evolução”, complementa o coordenador.
O trabalho despertou a atenção da imprensa, que noticiou à época a iniciativa. O conteúdo então chegou ao conhecimento da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e o Núcleo NCC Belém foi agraciado com o prêmio direitos humanos da Unesco. Um marco importante para a formalização da ONG e para a evolução dos cursos ministrados. O tenente Medina, ao se aposentar, passou a se dedicar exclusivamente à instituição, mas os contatos e toda a experiência de tempo de Brigada continuam a dar frutos até hoje, gerando uma corrente do bem.
O presente do NCC Belém
Hoje a iniciativa contribui para o desenvolvimento profissional das 7 comunidades abrangidas pela região de Belém Novo: Belém Novo, Chapéu do Sol, Lami, Ponta Grossa, Hípica, Restinga e Itapuã/Viamão. A iniciativa conta com vários projetos apoiados pelo Instituto Cyrela e tem a coordenação de Ana Paula Homem, coordenadora de projetos do Núcleo NCC Belém.
No total, atualmente são O NCC Belém atua em 4 linhas de atuação: educação, cultura, qualificação profissional e a mais recente, cuidados com a saúde. Trata-se de um centro médico aberto no local, que compreende oftalmologia e terapia holística por meio do reiki. “O nosso foco é cidadania e atender as famílias da região”, Explica Medina.
Competências socioemocionais
Mas a formação desenvolvida no local vai além das habilidades técnicas. Além de todo o conhecimento para desempenhar uma profissão, os cursos do Núcleo NCC Belém abrangem também outras palestras às famílias, como educação financeira, autoestima e ética. São as chamadas competências socioemocionais, importantes para a formação integral de um ser humano.
“A nossa carga horária do curso inclui essas palestras, em que todos os alunos do projeto participam. E essa palestra fortalece a postura deles no mercado de trabalho, fortalece entender como montar um currículo e como chegar em uma entrevista de emprego”, explica Ana Paula. Para isso, a instituição desenvolve parcerias com universidades de Porto Alegre para a realização destas palestras.
E para entender a diferença prática que este trabalho junto à comunidade propicia, conversamos com Gustavo dos Santos Tormes, 15 anos, aluno e jovem aprendiz da ONG. Ele iniciou na instituição por meio de outro projeto financiado pelo Instituto Cyrela, intitulado Construindo através da educação (biblioteca) e realizado em 2015. Na sequência, deu início a aulas de informática no local e em seguida passou a cursar a habilitação para auxiliar administrativo, onde foi aluno destaque pela educação, pela postura, pelo rendimento escolar.
“O projeto biblioteca foi onde tudo começou, e na verdade revolucionou tudo. Eu tinha 10 anos e ali comecei a aprender tudo o que sei até hoje. Eu moro aqui na zona sul, no Lami. (a região fica a 23 quilômetros do Núcleo, em outro bairro desassistido). Depois, eu comecei a fazer vários cursos aqui, minha mãe gostou daqui também e começou um projeto de alfabetização também, meu pai também, toda a minha família começou aqui. Foi bastante emocionante para ela aprendeu a ler e escrever, ela gostou muito. Me fez pensar mais no meu futuro. Isso foi algo que aqui foi provocado a pensar mais no meu futuro e foi indo, fluindo”, conta Gustavo.
Desde que está na Instituição, Gustavo chegou a receber outras duas propostas para trabalhar em outras empresas, mas as recusou. “O que me fez ficar no Núcleo é que todos os cursos que eu fiz aqui me motivaram a ficar, porque eu gostei desse lugar. Um lugar muito bom de trabalhar, confortável, conheço todo mundo daqui”, completa.
A coordenadora Ana Paula, que acompanha de perto a evolução dos alunos, também celebra os resultados: “É muito bom, porque a gente planeja, organiza, escreve o projeto e para mim representa gratidão e a visão de que o que planejamos deu certo. A gente tem uma gratidão imensa à Cyrela por nos apoiar com transporte, lanche para os alunos e todo o material didático, além de nos dar uma diretriz sobre a visão do Instituto. Então para nós é gratificante como instituição ver que o que planejamos um ano atrás, deu frutos. É imensamente prazeroso verificar que você está indo no caminho certo para a comunidade”. No caso de Gustavo, a coordenadora observa que o acesso ao estudo provou uma grande mudança no contexto familiar.
Próxima etapa: formação de educadores
Após a profissionalização, a fase atual é de exponenciar o conhecimento. Para isso, em parceria com o Instituto Cyrela, o NCC Belém deu início neste ano ao projeto de formação de educadores. “Atualmente a nossa frequência é de 95% e nós formamos 27 educadores da região do extremo sul. As aulas acontecem às terças e quintas, das 17h30 às 19h30, e incluem também palestras sobre motivação, práticas pedagógicas e saúde do professor. Cada noite é um palestrante, que desenvolve práticas de sala de aula”, Conta Ana Paula. A coordenadora explica que o projeto permite um momento para que os profissionais possam compartilhar práticas e ampliar ferramentas e conhecimentos. “A maior jogada desse projeto é que depois eles aplicam isso na sala de aula com os alunos das escolas deles”, complementa, evidenciando o ciclo de conhecimento gerado com esta iniciativa.
E para 2020, a ONG já tem um próximo desafio: formatar cursos para professores da educação infantil, com o objetivo de atender à demanda da primeira infância. Para isso, o NCC Belém realizará um projeto piloto de agosto a novembro de 2019, com o intuito de formatar as bases para justificar e solidificar o projeto de 2020. Em paralelo, a previsão de chegada de 6 mil famílias por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida traz novos desafios à região.
“Na questão de projetos, o que a gente verifica que o Instituto Cyrela nos diz os pilares em que trabalha. E quando o nosso projeto está reprovado ou não está de acordo com a visão do Instituto, nos permite a oportunidade de refazer. Isso para nós é muito grandioso, a maior jogada e a maior importância para nós é o feedback que a Cyrela nos dá. Assim a gente sabe o rumo a seguir e por qual caminho a gente atende a nossa comunidade. Então é muito gratificante”, finaliza Ana.