“Descobrir Brincando”: projeto capacita adultos para transformar a infância

Conheça o projeto que incentiva pais, educadores, profissionais da saúde e da assistência social a potencializar o desenvolvimento de crianças de zero a três anos

É comum não lembrarmos nada ou muito pouco a respeito da primeira infância – especialmente sobre aquilo que vivemos de 0 a 3 anos. Mas isso não significa que este momento não seja importante para nossa formação – muito pelo contrário, esta é uma das fases da vida em que nosso cérebro mais se desenvolve e que mais impacta a formação de um ser humano. Se nesta fase a criança tem suas necessidades físicas e psicológicas atendidas de forma consistente, há maiores chances de se tornar um adulto saudável e produtivo para a sociedade. Agora, se por outro lado, ela vive em um ambiente desfavorável, com violência, negligência ou abandono, o desenvolvimento dela pode ser prejudicado.

É com essa premissa que Ana Maria Bastos fundou o negócio social Descobrir Brincando, que é apoiado pelo Instituto Cyrela, e que tem como objetivo capacitar adultos (pais e profissionais que lidam com famílias) a lidar com crianças de 0 a 3 anos para gerar uma transformação social. Depois de vivenciar diferenças sociais e culturais durante o período em que morou na Suíça e na África do Sul, ela percebeu o quanto o aprendizado e desenvolvimento durante a primeiríssima infância fazem diferença na vida das crianças.

“Tive uma experiência fora do Brasil quando meu primeiro filho nasceu. Meu marido foi transferido e a gente foi morar na Suíça. Eu trabalhava como dentista lá e foi quando conheci uma abordagem que discute muito o papel do adulto em relação à criança pequena, chamada Abordagem Pikler Lóczy”, recorda a gestora. Emmi Pikler (1902 – 1984) foi uma pediatra de família que defendia que a saúde somática e psíquica dos bebês, juntamente com sua integração com o meio, ajudava a despertar o verdadeiro potencial das crianças.

adultos participam de dinamica proposta pelo descobrir brincando

Crédito da foto: Martin Avaro

A neurociência e a economia explicam

Após estas experiências, Ana Maria também aprofundou seus estudos e se deparou com a tese de James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia. “Ele aponta que todo o investimento feito no começo da vida é o melhor. Além de um retorno para a sociedade de forma geral, há também um retorno financeiro. Ele mostrou que a cada dólar investido no começo da vida, você terá de volta de US$ 7 a US$ 14 de retorno. É um indivíduo que vai utilizar menos o sistema de saúde e será mais produtivo economicamente. Ao traçar um paralelo destes dados com meus estudos sobre a neurociência, vi que fazia muito sentido”, revela.

Ana Maria explica também que um dos motivos mais importantes para investir e dedicar tempo a ações que desenvolvam as crianças durante a primeiríssima infância é por esse ser o período de maior transformação na vida delas. Fazendo uma metáfora, a gestora aponta que quando queremos construir uma parede ou uma casa, primeiro nos dedicamos a fundação. Apenas após criar uma base sólida e segura, é que a edificação pode ser erguida. “Até os 6 anos de idade, a gente forma 90% da nossa arquitetura cerebral. Por isso é importante aproveitar essa janela de oportunidade”, afirma.

Com isso em mente e completamente absorvida pelo tema, ao retornar para o Brasil, em 2013, Ana Maria apostou em uma especialização sobre a Primeira Infância e procurou encontrar meios de aplicar estes conceitos à realidade brasileira. “Eu sabia que não era possível fazer um projeto como o da Suíça, porque aqui temos outro contexto social, econômico e cultural. E foi justamente aí que encontrei uma lacuna e resolvi trabalhar com as classes menos favorecidas no Descobrir Brincando”, revela.

família brincando com crianças no chão

Crédito da foto: Melissa Haidar

Descobrir Brincando: preparar o adulto para ensinar a criança

O Descobrir Brincando tem como premissa construir competências nos adultos como forma de criar um alicerce para o desenvolvimento da criança – saúde, comportamento e capacidade de aprendizado. Por isso, o público-alvo maior não são os bebês, mas sim os adultos que convivem com eles.

“Nós os chamamos de adulto cuidador. Ele pode ser alguém das famílias dessas crianças de 0 a 3 anos ou também com profissionais que interagem com essas pessoas (profissionais da área da saúde, da assistência social e da educação). Podemos fazer, por exemplo, um treinamento em creches. Recentemente, em parceria com o Instituto Cyrela, realizamos uma capacitação de profissionais da assistência social”, comenta Ana Maria.

Para a sócia-fundadora do projeto, ao construir a competência deste adulto e torná-lo mais confiante e competente, ele irá olhar de forma diferente para o começo da vida e fortalecer sua relação com a criança. Esta criança, por sua vez, terá mais chances de passar o que aprendeu para frente quando se tornar adulta e tiver filhos, iniciando um novo ciclo. “É uma sementinha que você planta ali e que vai pra frente”, opina.

Estes adultos cuidadores participam de workshops, cursos e treinamentos.

decobrir brincando jovem pinta rosto de outra participante

Crédito da foto: Martin Avaro

Brincadeira é coisa séria

Atualmente, um dos principais projetos da empresa é o Programa Novo Olhar, desenvolvido no Programa Einstein Paraisópolis, na capital paulista, em parceria com o Hospital Albert Einstein. Ele consiste em encontros temáticos com profissionais e pais para que eles saiam dali com um outro olhar com relação à criança. “É um exercício de mudança de olhar e qualificar as interações”, afirma Ana Maria.

Nos workshops e cursos ministrados, são aplicados jogos de tabuleiro desenvolvidos pelo próprio Descobrir Brincando, com intuito de despertar uma nova maneira de encarar as situações e de enxergar as crianças. Um destes jogos ganhou, justamente, o nome “Novo Olhar” (tal como o projeto) e tem como premissa criar uma forma de se relacionar com o potencial das crianças, em suas diferentes fases, entre 0 a 3 anos. O jogo aborda situações corriqueiras para fazer com que o adulto tenha uma nova forma de enxergar as crianças.

Estes jogos funcionam também como uma forma de replicar o conteúdo aprendido nos workshops. “Em uma das capacitações que fizemos, os profissionais saíram com este jogo em mãos, justamente para poder multiplicar os conceitos aprendidos”, conta Ana Maria.

Encontro para profissionais dos Serviços de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio (SASFs)

Em 2019, a “Descobrir Brincando” participou de encontros promovidos pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), em parceria com o Instituto Cyrela, para 40 técnicos dos Serviços de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio (SASFs). Formado por quatro encontros, o projeto teve como objetivo promover o aperfeiçoamento dos profissionais para garantir o desenvolvimento integral de crianças da primeiríssima infância e o fortalecimento de vínculos familiares.

Confira, no vídeo sobre o programa, o recado de Ana Maria bastos:

Negócio social: lucro e propósito de mãos dadas

Para viabilizar os projetos, Ana Maria conta com o apoio de instituições como o Instituto Cyrela. No entanto, não se trata de uma ONG. “Desde o início do Descobrir Brincando temos uma empresa aberta. Ela já começou como um negócio. Eu não acredito que lucro e propósito sejam antagonistas – há um movimento crescente de negócios sociais com fins lucrativos. Acredito que vem ocorrendo uma mudança de mentalidade com relação a isso”, expõe.

O grande desafio atual de Ana Maria é transformar este projeto de forma que ele não dependa de doações ou de patrocínios para que seja sustentável. “O apoio de instituições, como é o caso do Instituto Cyrela, é que nos dão suporte para viabilizar esta mudança. Acredito que quanto mais lucro eu tiver, mais pessoas poderão ser impactadas. Hoje nossos grandes desafios são aumentar a escala do projeto e fazer com que ele possa se manter sem depender da ajuda de outras instituições”, pontua.